5 OBRAS DO UNIVERSO SINFÔNICO #COLLAB

Maestro Regente da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, Fábio Mechetti é o colaborador da semana

FOTO: RAFAEL MOTTA/DIVULGAÇÃO

POR FABIO MECHETTI

Beethoven – Sinfonia 3, “Heróica”

A figura de Beethoven se mistura, fortemente, com os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade promulgados pelos iluministas e pela Revolução Francesa. Várias de suas obras oferecem, claramente, essa preocupação com o impulso livre do indivíduo e sua independência, seja do jugo político, seja do peso da moral imposta pelos padrões da época. Sua ópera Fidelio, por exemplo, mostra, no libreto e na música por ele escrita, esse favoritismo por posições liberais, em que a vontade do indivíduo e sua busca da felicidade tornam-se objetivos maiores.

Outra famosa obra de “ruptura” foi a Sinfonia nº 3 em Mi bemol maior, conhecida como a “Eroica”. Originalmente escrita para celebrar as conquistas de Napoleão, ela se transformou numa demonstração de repúdio ao falso libertador, que, assim que assume o poder, resolve também assumir o controle. Beethoven, então, rompe com a figura de Napoleão e dedica sua obra àqueles que são os verdadeiros heróis na busca constante pela liberdade incondicional.

Essa liberdade também se expressa estruturalmente na obra em si. A “Eroica” é, historicamente, a mais longa sinfonia escrita até então. Formalmente, ela dispensa a introdução em seu primeiro movimento, fazendo com que dois acordes contundentes sejam o necessário para convidar o ouvinte a acompanhar a narrativa que se segue. Suas dimensões são extremas, principalmente ao ser comparada com todas as sinfonias até então escritas. Sua riqueza de ideias, e como Beethoven as desenvolveu, não encontra paralelo, nem mesmo em suas próprias obras anteriores. Nela, encontramos a desesperança expressa na marcha fúnebre do segundo movimento e o otimismo contagiante do finale. Beethoven, enfim, mostra-se, musicalmente, como o herói que ditaria os parâmetros definidores da música ocidental dali para a frente.

2) Berlioz – Sinfonia Fantástica

Alguns dos grandes gênios da música foram expoentes máximos de uma época, de seus costumes, de suas estéticas e valores históricos. Outros foram revolucionários, ao romper com cânones passados e apontar para uma outra proposta – muitas vezes, não aceitas na época, mas com força suficiente para abrir portas ao futuro. Um desses “rebeldes” foi o francês Hector Berlioz. Ele nasceu em 1803, ou seja, poucos anos depois da morte de Mozart, quando Beethoven, Haydn e Schubert ainda estavam vivos. Mas, quando escutamos sua música, parece que ele é produto de gerações de muitas décadas posteriores. É difícil encontrar, não só em música como em outras artes, exemplo de alguém que tenha encontrado uma linguagem tão mais moderna do que aquela de sua época, alguém que realmente pensasse fora da caixa. 

Aos 27 anos de idade, praticamente um desconhecido no meio musical europeu, sem um rol significativo de obras anteriores em que pudesse realmente desenvolver uma técnica apurada de teorias básicas de harmonia, contraponto, morfologia e instrumentação, Berlioz escreve sua Sinfonia Fantástica, apenas alguns anos após a morte de Beethoven e da própria Nona Sinfonia (que, em si, já havia quebrado paradigmas de toda a sorte). Essa Sinfonia é “fantástica” em quase tudo o que podemos imaginar. Primeiramente, em seu caráter autobiográfico. Talvez esta seja, na história, a primeira sinfonia em que um compositor se expõe tão abertamente. Em seus cinco movimentos (característica que tem a Sinfonia Pastoral de Beethoven como único antecedente), Berlioz expressa suas paixões e seus desejos, frustrações, refúgios, desespero, incluindo, até mesmo, alucinações promovidas pelo uso de ópio. Isso depois de uma era em que a sociedade e a arte por ela criada haviam sido influenciadas pela ideia do racionalismo e pela busca de organização interna e externa.

Aqui, também, é a primeira vez em que uma sinfonia inteira é “amarrada” pelo uso de um tema condutor (ideia fixa), que define e transforma cada movimento, dependendo da “estória” a ser contada musicalmente. A paleta orquestral de Berlioz é vastamente mais diversificada do que qualquer compositor anterior (e poucos posteriores) a ele. Pela primeira vez, encontramos, numa sinfonia, o uso de requinta, corne inglês com participação marcante, duas tubas, oito tímpanos tocados por quatro timpanistas, duas harpas, campanas e vários outros instrumentos de percussão, todos aqui utilizados de maneira brilhante e inusitada para ilustrar essa autobiografia musical. A sinfonia, enfim, é, sem dúvida, uma das grandes obras-primas, não só em música, mas em todas as artes, por sua originalidade, individualidade e influência nas gerações de compositores que se seguiram.

3) Mozart – Gran partita

É sempre um desafio selecionar uma ou outra obra-prima de grandes gênios da música universal. Mas, no caso de Mozart, isso se torna quase impossível. Com mais de seiscentas obras escritas em seus 35 anos de vida, e por volta de 30 de atividade criativa, Mozart se distingue pela combinação absoluta de perfeição formal (própria de seu período), riqueza melódica, prosódia musical, simplicidade de linguagem e um sentido de expressão da essência da humanidade, próprio de figuras ímpares ao longo da história. Einstein (outro gênio da história da humanidade) disse uma vez: “A música de Mozart é tão pura que parece ter estado sempre presente no universo, pronta para ser descoberta por ele.”

Essa inevitabilidade da música, enquanto símbolo da perfeição, é encontrada em obras dos mais diferentes gêneros explorados por Mozart, e um desses exemplos é a Serenata para sopros em Si bemol maior, escrita entre 1781 e 1782. Como quase todas as suas serenatas, esta foi escrita sob encomenda, para apresentações informais na corte. Serenatas eram, em geral, obras de consumo imediato, descartáveis, com propósito, muitas vezes, específico para esta ou aquela ocasião. Mesmo tendo nada mais, nada menos, do que sete movimentos, apenas quatro, aparentemente, foram executados em sua estreia. Outra característica importante, embora não exclusiva, é a instrumentação: dois oboés, dois clarinetes, dois fagotes, contrafagote (!), dois cornos de basseto (precursor do clarinete baixo), quatro trompas e, no caso da não presença de um contrafagote, contrabaixo.

A genialidade de Mozart está, justamente, em ter a capacidade de criar com recursos limitados, seja o grupo instrumental para o qual ele escreve, seja o gênero da obra em si ou as regras da linguagem tonal convencional, uma gama de ideias originais, expressivas, eficazes e efetivas que tocam diretamente o ouvinte. Mozart não foi um compositor revolucionário. Ele simplesmente foi o melhor de todos, ao aplicar as “regras do jogo”. E, certamente por isso, ao invés de ter sido reconhecido e reverenciado como o grande gênio que hoje sabemos que é, foi tratado com a inveja, a manipulação e as artimanhas próprias dos medíocres, que se sentiam ameaçados por sua singular competência.

4) Orff – Carmina burana

Alguns compositores, como Bach, Mozart, Villa-Lobos, são celebrados pela qualidade e pela quantidade de suas obras. Outros, como Carl Orff, são lembrados por uma. Embora ele tivesse escrito muitas outras peças, seu nome está intimamente ligado a apenas uma delas: Carmina burana, uma das obras do século XX mais executadas nas temporadas internacionais de concertos.

Utilizando-se de texto e de elementos musicais mais associados à música medieval do que à do século XX, Orff conseguiu, nesta obra, estabelecer uma linguagem singular, que une pesquisa histórica, dramaticidade e cores orquestrais próprias do século passado. Escrita para grande coro, coro infantil, três solistas e grande orquestra, Carmina burana ultrapassou todas as expectativas do próprio compositor, para se tornar uma obra quase ritualística, tendo sido usada além de sua intenção original, como uma cantata cênica, para fins coreográficos, desenhos animados, e até em comerciais de televisão.

Sua popularidade se deve, principalmente, à força quase animalesca de sua música direta e transparente, à simplicidade de suas melodias e harmonias, todas elas modais (em contraste à prevalência da música atonal da época em que havia sido escrita), e, certamente, ao conteúdo literário primevo e “inocentemente” erótico. Com seus ritmos pulsantes, harmonias estáticas, quase inebriantes, e uma orquestração exuberante, ela é uma obra de enorme impacto, embora, paradoxalmente, de relativa simples execução.

5) Handel – O Messias

De Halle a Eisenach, na Alemanha, são apenas 118 quilômetros. Pois dentro dessa pequena distância, e num período de um pouco mais de três semanas, nasceram, em 1685, dois dos maiores gênios da história da música universal: Handel e Bach. Esses dois grandes compositores se tornaram sinônimo do Barroco alemão e definiram o curso da linguagem musical para décadas e décadas após suas mortes.

Sob o aspecto puramente musical, existe muito em comum nas obras dos dois compositores: suas linguagens se desenvolvem estabelecendo, cada vez mais, o sistema tonal, e se completam na utilização desse sistema em obras dos mais variados gêneros. Entretanto, em um aspecto, esses dois compositores se diferem consideravelmente. Enquanto Bach firmou sua carreira profissional e sua vida pessoal na própria Alemanha, buscando certa estabilidade dentro das cortes germânicas (ou prussianas, à época), Handel foi, desde jovem, um aventureiro, que se projetou em outras regiões da Europa, tendo se firmado, principalmente, na Inglaterra. Essa “internacionalização” de Handel fez com que sua música se dirigisse mais a alguns gêneros formais, que foram muito pouco explorados por Bach: a música incidental, ou música da corte, e, principalmente, a ópera.

Não há dúvida de que Bach tenha escrito centenas de obras vocais e corais, que podem ser definidas como grandes obras-primas desse tipo de repertório: suas Paixões e a Missa em si menor, por exemplo. Entretanto, Handel, ao explorar o território operístico com mais amplitude, deu à voz humana uma cor especial, altamente expressiva, que valia tanto à música lírica quanto à sacra.

Certamente, o maior exemplo disso, e, certamente, sua obra mais conhecida, é o oratório O Messias, composto em 1741. Contrariamente à prática moderna, onde o Messias é primordialmente apresentado na época de Natal, sua estreia se deu na Páscoa. Gradualmente, esse oratório adquiriu crescente popularidade, sendo, hoje, uma das peças clássicas mais executadas em todo o planeta. O Messias se estrutura, musicalmente, como um tradicional oratório, mas nota-se nele aquela influência dramática que Handel adquiriu na composição de dezenas de óperas baseadas nos mais variados temas. Essa combinação de religiosidade e lirismo faz do Messias uma obra diferenciada. 

* Desde 2008, Fabio Mechetti é Diretor Artístico e Regente Titular da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, sendo responsável pela implementação de um dos projetos mais bem-sucedidos no cenário musical brasileiro.

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